Jornal “New York Times’ associa devastação na Amazônia ao novo Código Florestal
POR MAURÍCIO TUFFANI
As
mudanças no Código Florestal brasileiro a partir de maio de 2012 foram
destacadas ontem (terça, 15.abr) em editorial do jornal “The New York Times” que comentou o
retrocesso na redução das taxas anuais de desmatamento na Floresta Amazônica. O
texto, que pode ser lido em tradução na Folha, ressaltou:
Área queimada no município de Nova
Ubiratã, no “arco do desflorestamento”, no Mato Grosso – Folha Imagem
No
Brasil, que abriga 60% da floresta amazônica e é um componente importantíssimo
do sistema climático mundial—, o índice de desmatamento subiu 28% em 2012-2013.
Ambientalistas dizem que uma mudança promovida em 2012 nos regulamentos
brasileiros que regem a conservação florestal é parcialmente responsável por
isso.
Esses
28% correspondem à elevação do total de 4.571 quilômetros quadrados de
novas áreas desmatadas na região anunciados em 2012 para
5.843 quilômetros quadrados divulgados no ano seguinte. Desde
2008 os resultados vieram com sucessivas reduções até o ano passado,
quando foram registradas as primeiras situações a partir da vigência do novo
Código Florestal.
Gancho
velho
Editoriais
geralmente abordam temas recentes. E esse percentual do aumento da taxa anual
de desmatamentos na Amazônia já havia sido divulgado e amplamente repercutido
em novembro do ano passado. É geralmente nos finais de ano que têm sido
divulgados os dados do sistema Prodes (Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite), realizado
desde 1988 pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
O
texto do “NYT” se refere logo em sua abertura a um sistema global de
mapeamento florestal desenvolvido por cientistas da Universidade de Maryland,
do Google e do governo dos Estados Unidos, que seria ”capaz de identificar
exatamente onde e com que rapidez ocorre desmatamento em todo o mundo”. Mas
esse sistema também havia sido noticiado em novembro do ano passado a partir
da publicação do artigo “Mapas globais de
alta resolução das mudanças de cobertura florestal“, na revista
científica norte-americana “Science”.
Nova
série
A
inspiração do jornal no mapa global do desmatamento pode ter surgido no
último domingo (13.abr), com a estreia da série ”Anos para Viver
Perigosamente“, do canal ShowTime, da CBS. O tema central
da série é o aquecimento global. E nesse mesmo dia da
estreia foi divulgado também o sumário do relatório do IPCC
(Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas).
No primeiro
episódio da série —que tem em sua produção Arnold Schwarzennegger e
James Cameron, diretor e autor de “Titanic” e “Avatar”—, o ator Harrison Ford
atua como entrevistador no Centro de Pesquisas Ames, da Nasa, em Mountain View, na
Califórnia. Lá estava o geógrafo Mathew C. Hansen,
da Universidade de Maryland, coordenador do mapa global e autor principal
do estudo publicado em novembro na “Science”.
“O
melhor país em termos da redução de desmatamentos tem sido o Brasil”, declarou
Hansen a Ford, acrescentando ser a Indonésia o pior dos maus exemplos no
combate ao desflorestamento. A partir daí o programa pegou duro com esse país
do Sudeste Asiático, que também foi citado no editorial. O Brasil ficou só com
o elogio.
Grãos
de soja
Mas
o foco do “New York Times” não foi a Indonésia, foi o Brasil. E os fatores
apontados no retrocesso no combate ao desmatamento não foram só as mudanças do
Código Florestal, mas também as culturas de soja na Amazônia, que têm
sido nos últimos anos um dos principais vetores da chamada “expansão da
fronteira agropecuária”.
Esses
avanços foram frutos da implementação firme do Código Florestal brasileiro de
1965 e de uma moratória sobre a soja imposta em 2006, um pacto voluntário
mediado pelo governo brasileiro, o agronegócio e grupos ambientais para
prevenir a comercialização de soja cultivada em áreas desmatadas.
Sobre
esse assunto, vale a pena lembrar que no mês passado houve a notícia de
que agricultores brasileiros querem que o Brasil acione os Estados Unidos na
OMC (Organização Mundial do Comércio) para eliminar os subsídios do governo
daquele país para seus produtores de soja. A CNA (Confederação da Agricultura e
da Pecuária do Brasil) alega prejuízos de mais de R$ 4 bilhõespara o agronegócio
brasileiro.
A
esta altura, aqueles que têm boa memória devem estar pelo menos com uma vaga
lembrança da reportagem “Inimigos implacáveis da Floresta Amazônica: grãos de soja“,
também do “New York Times”, de setembro de 2003. Naquela ocasião, não faltaram
interpretações de que o jornal novaiorquino estava defendendo interesses
comerciais de seu país, que já estava sofrendo na OMC outra ação do Brasil desde 2002, e também por causa de
subsídios a produtos agrícolas. E o primeiro da lista era a soja.
Mudanças
da lei
Deixando
de lado as especulações sobre os reais motivos do editorial, não dá para
deixarmos de avaliar a relação entre a mudança na curva descendente do
desmatamento da Amazônia e as mudanças do Código Florestal. Entre essas alterações, se destaca o
abrandamento das definições das áreas de proteção permanente e a inclusão
destas no cômputo da extensão da chamada reserva legal.
Em
março deste ano o Ministério do Meio Ambiente tentou amenizar a má notícia de
novembro do novo percentual do Prodes, anunciando que os desmatamentos na Amazônia brasileira de
agosto de 2013 e janeiro de 2014 caíram 19% em relação ao mesmo período de 2012
a 2013. Essa informação é relevante como estimativa, mas ela se baseia em outro
sistema de dados, o Deter
(Desmatamento em Tempo Real).
Assim
como o Prodes, cujo objetivo é monitorar com precisão a extensão dos
desmatamentos, o sistema Deter também obtém seus dados por meio de
satélites, mas para outra finalidade, que é apoiar ações de fiscalização e
controle de degradações de diversos tipos. Enquanto o primeiro
registra desflorestamentos do tipo “corte raso”, o segundo detecta devastações
de diversos tipos, inclusive aquelas em pequenas extensões que podem ser
recuperadas rapidamente.
Má
notícia permanente
Mesmo
que os dados finais do Prodes de 2013-2014 venham a apontar redução dos
desmatamentos, teremos ainda a má notícia permanente da extensão acumulada
deles na Amazônia, que passou de 377,6 mil km2 em 1988 para
759,2 mil km2 em 2013. Essa superfície corresponde
aproximadamente à metade do estado do Amazonas (1,57 milhão de quilômetros
quadrados) e ao triplo da área do estado de São Paulo (248,2 mil km2),
que é pouco maior que a do Reino Unido (243,1 mil km2).
Apesar
de sua magnitude, o desmatamento bruto acumulado da Amazônia não tem sido
divulgado pelo governo, a não ser em séries anuais que começam em 1988, mas sem
mostrar sua situação naquele ano. O dado de 377,6 mil km2 está
no relatório Prodes 1990-1991.
Esses indicadores deveriam ser exibidos a cada ano.
Texto de MAURÍCIO TUFFANI, de 16/04/14, Publicado pela Folha
de São Paulo em 17/04/2014, reproduzido pela EcosBrasil.